Cientistas registram danos causados por navios na Antártida

Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram captar imagens de danos provocados por âncoras no fundo do oceano da Antártida. O número de embarcações de turismo com destino ao continente gelado tem crescido ao longo dos anos, o que pode intensificar o problema identificado pelos cientistas.
Os cientistas da ONG Kolossal (Estados Unidos), da Universidade Memorial de Newfoundland (Canadá) e do Instituto Nacional de Pesquisa de Água e Atmosfera da Nova Zelândia utilizaram câmeras no mar profundo entre 2022 e 2023, o que resultou em 62 horas de gravação debaixo d'água.
Eles identificaram danos no assoalho da península Antártica, região mais ível da Antártida, onde está a maior parte das estações de pesquisa e que vive o aquecimento mais acelerado do continente. Os resultados saíram no último dia 8 na revista Frontiers in Conservation Science.
Com as imagens, eles identificaram sulcos a 70 metros de profundidade. Nesses pontos, os pesquisadores encontraram colônias de esponjas esmagadas e uma falta de organismos. Isso se contrastou com a abundância de vida marinha nos arredores, o que inclui peixes, vermes, colônias de esponja e estrelas-do-mar.
A maior parte dos estudos que analisam os impactos deixados pela ancoragem teve como objeto águas rasas e temperadas, onde pesquisadores registraram a destruição de recifes e corais.
Para o diretor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP), Paulo Sumida, que não fez parte do estudo, a tendência é que esse problema seja maior na Antártida do que em zonas tropicais e temperadas.
Há mais de 4.000 espécies que vivem no fundo do oceano antártico, chamadas de bentos, muitas delas ainda não identificadas pela ciência. "No ambiente na Antártida, os organismos têm metabolismo mais lento, então demora mais para a fauna crescer de novo naquela área", explica Sumida. Os bentos da Antártida têm papel fundamental na filtragem da água e no sequestro de carbono, além de fornecerem abrigo e alimento para outras espécies.
Um estudo publicado em janeiro de 2022 analisou a restauração do ecossistema do fundo do Pacífico após um navio afundar na região há 77 anos e verificou que o local ainda não se recuperou. Com isso, os pesquisadores do estudo recém-publicado supõem que o fundo do mar antártico levaria mais de um século para se recuperar.
Uma das preocupações levantadas pelos autores é o aumento de embarcações na região, o que tende a se intensificar à medida que o continente perde gelo. Em março de 2023, eles identificaram oito navios de ageiros atracando no porto Yankee, na península Antártica.
Um relatório da Associação Internacional de Operadoras de Turismo na Antártida (IAATO) estima que, na estação de turismo (que ocorre de outubro a abril) de 2023 a 2024, 77 embarcações de operadores da IAATO (que são membros da associação, mas organizam seus próprios programas de viagem) chegaram à Antártida, a maior parte na península; para comparação, na estação de 2013-2014, foram 51.
Na avaliação de Sumida, está claro que há um impacto do uso de âncoras no fundo do mar. Mas ainda é preciso calcular o tamanho disso, o que envolve estudos para entender a extensão espacial e temporal do problema.
O pesquisador da USP acrescenta que, nas águas rasas e entremarés da Antártida, o ecossistema já se acostumou com o distúrbio frequente do assoalho oceânico, em razão das raspagens frequentes de icebergs. Nessas áreas, o ecossistema está constantemente se recompondo. Mas o estudo observou o dano provocado a 77 metros, onde o ecossistema que não está acostumado a essas perturbações, o que pode fazer com que leve mais tempo para se recuperar.
No estudo, os pesquisadores sugeriram como forma de mitigação identificar locais de ambientes marinhos vulneráveis fora da costa e torná-los uma área proibida para ancoragem, além de substituir as âncoras por outros métodos.
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