COLUNISTA

A ilusão do alívio

Por Hugo Evandro Silveira : [email protected] | Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril
| Tempo de leitura: 4 min

Um Olhar Bíblico sobre o Uso da Maconha

Atualmente, o uso da maconha, antes associado à marginalidade, muitas vezes é tratado como mera preferência pessoal - equiparado ao consumo de café, tabaco ou bebidas alcoólicas. No entanto, essa aparente normalização traz implicações profundas, tanto para a saúde pública quanto para a vida espiritual. Ao banalizar o uso recreativo, a sociedade minimiza seus riscos e dificulta um debate ético e responsável.

Com frequência, o argumento favorável à maconha recorre ao seu uso medicinal. De fato, há evidências de benefícios terapêuticos em casos específicos, como no controle de náuseas ou espasticidade muscular. No entanto, confundir o uso medicinal com o recreativo é um erro grave. Enquanto os medicamentos visam restaurar funções do organismo, a maconha recreativa busca alterar a consciência, intensificar sensações e gerar prazer artificial. Sem orientação médica, seu uso autoistrado pode trazer sérios riscos à saúde física, mental e espiritual. Muitos pais relatam filhos apáticos, irritáveis e socialmente retraídos - sinais de um vazio existencial que a substância tenta mascarar, mas não resolve.

Historicamente, o argumento cristão contra a maconha se apoiava, em parte, em sua ilegalidade. Com a legalização em vários países, esse fundamento perdeu força. As campanhas pró-cannabis destacam supostos efeitos benéficos e prometem redução de danos sociais. Nesse novo cenário, líderes cristãos enfrentam o desafio de aconselhar jovens e adultos que já não enxergam conflito entre sua fé e o uso recreativo da droga. A maconha já não é um assunto periférico - está presente, de maneira silenciosa, em igrejas e lares cristãos.

Entretanto, há princípios que não podem ser ignorados. O uso recreativo da maconha geralmente revela uma busca por alívio imediato - seja motivada pela curiosidade, influência cultural ou tentativa de escapar de uma dor física ou emocional. Essa busca por conforto rápido, porém, costuma evoluir para ciclos de dependência que aprofundam o sofrimento, desorganizam os afetos e agravam a crise espiritual (Rm 1.21-25).

Pesquisas indicam que o teor médio de THC - a principal substância psicoativa da planta - saltou de menos de 4% na década de 1990 para mais de 16-17% atualmente (axios.com). Em países europeus, versões sintéticas podem atingir níveis até cinco vezes superiores, provocando sérios distúrbios mentais, como episódios de psicose. Assim, mesmo substâncias aparentemente "leves" podem provocar vício, abrir portas para drogas mais potentes e gerar consequências devastadoras: danos físicos, isolamento, irritabilidade, colapso de vínculos afetivos e um perigoso afastamento da saúde emocional e espiritual.

A experiência com o álcool e o tabaco reforça essa advertência: a legalização e regulamentação não eliminam os riscos - muitas vezes, os ampliam. Ainda que nem todos se tornem dependentes, nenhum uso de substância psicoativa é neutra no organismo humano. Assim como ocorre com o álcool, muitos não desenvolvem vício clínico, mas perdem o equilíbrio, a lucidez e a liberdade interior.

O uso de substâncias para fugas ou tentativas de preencher o vazio existencial é sinal de uma alma em busca de sentido. A crescente aceitação da maconha é, portanto, mais do que uma mudança cultural ou legal - é um sinal de alerta social, espiritual, além de um desafio terapêutico e pastoral urgente. Ignorar esse tema é ignorar o sofrimento de muitos. O silêncio das autoridades, inclusive da Igreja, não protege - pelo contrário, favorece a curiosidade e abre espaço para práticas não discernidas à luz da saúde mental e física.

A fé cristã, porém, apresenta uma resposta considerável. A Bíblia ensina que a verdadeira paz não vem de experiências artificiais, mas do relacionamento restaurado com Deus por meio de Jesus Cristo (Rm 5.1,2 ; Jo 14.27). Nele encontramos descanso que não é ageiro, sentido que não se esgota e cura que vai até as raízes mais profundas da dor humana. A resposta de Cristo às mazelas da vida une verdade, graça e esperança, conduzindo-nos à liberdade plena (Jo 8.36).

Dessa forma, defendemos a perspectiva de que o uso recreativo da maconha não é inofensivo nem irrelevante (1Co 6.12). Tendo como referência as Escrituras, a resposta cristã deve ser firme e comiva: acolher com amor aqueles que buscam alívio em substâncias, ao mesmo tempo em que apontamos com convicção para a única fonte de restauração verdadeira - Jesus Cristo. Nossa postura deve ir além da censura; ela deve revelar o caminho da misericórdia e redenção, proclamando que a verdadeira liberdade e plenitude estão naquele que consola os abatidos, sara e dá esperança aos quebrantados de coração (2Co 1.3-4; Sl 147.3).

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