OPINIÃO

Quando o humor perde a graça

Por Redação |
| Tempo de leitura: 2 min

Caro leitor, vivemos em uma época em que o humor está em toda parte — nos programas de televisão, nas redes sociais, nas rodas de conversa, nos memes que circulam diariamente nos nossos celulares. O riso, dizem, é o melhor remédio. E, de fato, o humor tem esse poder: aliviar tensões, aproximar pessoas, tornar mais leves as dificuldades cotidianas. No entanto, há um limite tênue entre o riso saudável e o riso que machuca. E, muitas vezes, esse limite é ultraado sem que nos demos conta.

O problema surge quando o humor se constrói sobre a humilhação do outro. A piada que faz graça do corpo, da deficiência, da condição social, da orientação sexual, da cor da pele, da fé ou da dor alheia pode até arrancar risadas — mas a que custo? Ao rirmos do sofrimento ou da fragilidade de alguém, alimentamos um ciclo de violência simbólica, que pode deixar marcas profundas em quem está do outro lado.

Não se trata de patrulha do politicamente correto, como alguns costumam dizer. Trata-se de responsabilidade. O humor não pode ser desculpa para perpetuar preconceitos, estereótipos ou humilhações. Quando o riso nasce da diminuição do outro, ele deixa de ser engraçado e a a ser perverso. Pior ainda quando essa prática se disfarça de "brincadeira inocente", como se as vítimas fossem obrigadas a ter senso de humor sobre suas próprias dores.

É importante lembrar que piadas não existem no vácuo. Elas nascem de contextos culturais, carregam significados e reforçam ou questionam estruturas de poder. Quando alguém com maior visibilidade ou privilégio faz piadas sobre um grupo vulnerável, o efeito não é apenas individual: contribui para a manutenção de desigualdades históricas.

Ao longo dos anos, muitos humoristas consagrados revisitaram seus repertórios e reconheceram o peso de algumas piadas do ado. Não é uma tarefa simples, mas é um exercício de empatia e amadurecimento social. Afinal, evoluímos como sociedade justamente quando somos capazes de olhar para nossas práticas com senso crítico e responsabilidade afetiva.

É possível, sim, fazer humor inteligente, provocativo e, ao mesmo tempo, respeitoso. Grandes nomes da comédia já provaram que não é necessário humilhar ninguém para arrancar risadas genuínas. O humor pode ser uma ferramenta poderosa de reflexão social, de denúncia e de transformação, sem abrir mão da leveza.

Portanto, ao rirmos, precisamos nos perguntar: estamos rindo com alguém ou de alguém? Essa é a diferença fundamental. O bom humor une, cria pontes, aquece corações. O humor que humilha constrói muros, alimenta ressentimentos e perpetua feridas.

Que saibamos, sempre, escolher o riso que acolhe — e não o que fere.

Micéia Lima Izidoro é professora ([email protected])

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